CASA DE FARINHA-ensaio-01
_Puxe o rodo nhô
tonico!
_Tô puxando sinhá Rosina,
num tá vendo?
_Sim mai nessa moleza tú vai é butar
essa farinha à perder doido.
O suor que transpirava do corpo de seu tonico
pingava sobre o chão de barro onde seus pés pisavam procurando apoio para
suster seu corpo trêmulo puxando o cabo do rodo que espalhava a massa da
mandioca sobre o forno que queimava em brasas os tijolos baianos.
_Ôh dna.benê veja se
adianta essas mandiocas ai que senão a proxima queima num vai começar na hora
certa viu muié, então tú já sabe cumo qui é quando o patrão chegar aqui
reclamando do atraso num sabe?
_mas dona gertrudes a
sinhora num tá vendo que nois tamo inté suadas di tanto que tamo correndo
pumodi isso num acontecer sinhora?
_Sim e béia ondi qui
tá mesmo me diga?
_Oxenti e tú num tá
sabendo que ela foi lá pra cidade cum seu zé da verdura não é?
_Mas u quê? Intão
dona béia tá passando pru riba di minha palavra mermo num é? Dexi ela chegar
aqui qui vamo tê otra cunversinha viu ô si vamo dexi ela, dexi ela.
_Ôh dona marisete dê
um biju pru fi da béia dê e também uma caneca de café muié qui essi
minino tá com os zoio pidão qui neim umas pitombas viu.
Eu pegava o
biju e a caneca de café e procurava um lugarzinho que não atrapalhasse
ninguém ali naquela super-produção e me assentava com um sorriso largo estampado na face devido
a atenção que dona Gertrudes me dava, então devorava o biju e o café deslizava
na garganta empurrando aquele pedacinho que sempre tentava me entalar…depois do
biju vinha logo uma tapioca de coco muito deliciosa, eu gostava muito de estar
ali na casa de farinha.
A noite já na casa de seu José, mamãe preparava
um cuscus e nos servia com uma caneca de leite quentinho, eu gostava de
despejar o leite por cima do cuscus e jogar umas duas colheres de açucar…ficava
uma delícia. Mas os demais gostavam mesmo era de comer o cuscus com carne seca.
Depois do jantar
iamos todos para a sala e nos reuniamos ao pé de Osvaldinho o filho de seu
josé, ele logo pegava um cordel e lia-o
para todos nós ouvir e viajar nas histórias variadas que existem nesses
livrinhos lá no nordeste…não sei dizer ao certo se ainda hoje eles existem e se
alguém os usa da maneira que usava o osvaldinho, mas confesso que quando eu
ouvia ele narrar as histórias desses livrinhos minha mente me remetia à outros
lugares distantes de onde estavamos, eu viajava e sentia que minha alma invadia
cada história por ele narrada. Osvaldinho não somente lia as histórias ele as
interpretavam e talvez fosse isso que nos deixavam tão aficionados em seus
contos, esperavamos anciosos que a noite chegasse para
nos reunir-mos na sala da casa de seu José e ouvir o Osvaldinho contar mais uma
história, cada noite era uma nova, ele jamais repetia as histórias, ele tinha
bastante livrinhos de cordel, sua paixão era essa contar histórias de cordel,
ele derramava suor a semana inteira na labuta da roça de mandioca e na casa de
farinha, para que depois das vendas do sábado ele passar lá na banca de dona
Maristela e comprar esses livrinhos de cordel, nós muito menino ficavamos em
casa à esperar, penduravamos lá na porteira e ficavamos com os olhos pidões em
direção a Estrada de terra a fim de ouvir o estralar das rodas da carroça de
seu josé estraçalhando os galhos secos do chão. E quando isso acontecia
aguçavamos nossos ouvidos e diziamos:_Escutem…lá vem eles! E corriamos de
encontro à carroça antes mesmo dela alcançar a curva que dava pro portão de entrada
da casa de seu José. E todas as vezes que faziamos isso seu José
perguntava:_Oxente mininos me digam como é que vocês sabem que estavamos
chegando me digam? E respondiamos todos em unissono:_oxi seu José a gente sabe
sim sinhô quando o sinhô tá chegando viu, a gente sabe sim! Seu josé coçava a
cabeça encabulado e nós corriamos pro pé de Osvaldinho perguntando tú trouxe o
cordel? Tú trouxe o cordel osvaldinho? Ele dizia sempre:_Calma meninos! Calma!
Eu trouxe sim e também balas e doces pra todos vocês! E gritavamos _eeeeebaaaa!
Hoje tem cordel!
Osvaldinho era o filho do seu José o dono da
casa de farinha onde mamãe trabalhava quando fomos morar lá em Pernambuco nos
brejos de uns matagais que nem lembro ao certo o nome da cidade ou do lugar,
tudo o que recordo vagamente é de alguns acontecimentos do cotidiano daquele
lugar mágico, onde viviamos em felicidade total e comiamos o fruto que a
natureza nos dava, ou seja, plantavamos, colhiamos e comiamos. A energia
elétrica não existia e o que nos alumiava à noite eram as chamas dos pavios dos
candeeiros que ficavam suspensos pelos pregos nas paredes de barro. Mas eramos
verdadeiramente felizes nas entranhas da terra lá no sertão dos arredores De
Aliança cidadezinha onde nasci do estado de Pernambuco, e essa casa de farinha
se situava emu ns brejos lá da cidade de Vicência acredito que seja sim.
Hoje aqui em São Paulo não mais retornei à meu
estado de nascence…não sei nada dos amigos que lá deixei…não sei mais do
Osvaldinho, se ele se tornou um professor ou um contador de histórias
professional, tipo escritor ou coisa do gênero…não sei de dna Gertrudes, de seu
tonico, de dona benê, de seu zé da verdure…já dona béia essa sei que faleceu em
dois mil e sete, sei disso porque fora ela quem me trouxe para a cidade grande,
e seu nome de registro era Maria Rodrigues da Silva minha mãe…já não sei de seu
José o homem bondoso proprietário daquela saudosa casa de farinha.
Por:Natanael Rozeno da Silva
07/03/2013
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