quarta-feira, 13 de março de 2013

Casa de farinha


CASA DE FARINHA-ensaio-01


_Puxe o rodo nhô tonico!

_Tô puxando sinhá Rosina, num tá vendo?

_Sim mai nessa moleza tú vai é butar essa farinha à perder  doido.

 O suor que transpirava do corpo de seu tonico pingava sobre o chão de barro onde seus pés pisavam procurando apoio para suster seu corpo trêmulo puxando o cabo do rodo que espalhava a massa da mandioca sobre o forno que queimava em brasas os tijolos baianos.

_Ôh dna.benê veja se adianta essas mandiocas ai que senão a proxima queima num vai começar na hora certa viu muié, então tú já sabe cumo qui é quando o patrão chegar aqui reclamando do atraso num sabe?

_mas dona gertrudes a sinhora num tá vendo que nois tamo inté suadas di tanto que tamo correndo pumodi isso num acontecer sinhora?

_Sim e béia ondi qui tá mesmo me diga?

_Oxenti e tú num tá sabendo que ela foi lá pra cidade cum seu zé da verdura não é?

_Mas u quê? Intão dona béia tá passando pru riba di minha palavra mermo num é? Dexi ela chegar aqui qui vamo tê otra cunversinha viu ô si vamo dexi ela, dexi ela.

_Ôh dona marisete dê um biju pru fi da béia   e também uma caneca de café muié qui essi minino tá com os zoio pidão qui neim umas pitombas viu.

 Eu pegava o  biju e a caneca de café e procurava um lugarzinho que não atrapalhasse ninguém ali naquela super-produção e me assentava  com um sorriso largo estampado na face devido a atenção que dona Gertrudes me dava, então devorava o biju e o café deslizava na garganta empurrando aquele pedacinho que sempre tentava me entalar…depois do biju vinha logo uma tapioca de coco muito deliciosa, eu gostava muito de estar ali na casa de farinha.

 A noite já na casa de seu José, mamãe preparava um cuscus e nos servia com uma caneca de leite quentinho, eu gostava de despejar o leite por cima do cuscus e jogar umas duas colheres de açucar…ficava uma delícia. Mas os demais gostavam mesmo era de comer o cuscus com carne seca.

Depois do jantar iamos todos para a sala e nos reuniamos ao pé de Osvaldinho o filho de seu josé, ele logo pegava um cordel  e lia-o para todos nós ouvir e viajar nas histórias variadas que existem nesses livrinhos lá no nordeste…não sei dizer ao certo se ainda hoje eles existem e se alguém os usa da maneira que usava o osvaldinho, mas confesso que quando eu ouvia ele narrar as histórias desses livrinhos minha mente me remetia à outros lugares distantes de onde estavamos, eu viajava e sentia que minha alma invadia cada história por ele narrada. Osvaldinho não somente lia as histórias ele as interpretavam e talvez fosse isso que nos deixavam tão aficionados em seus contos, esperavamos anciosos que a noite chegasse para nos reunir-mos na sala da casa de seu José e ouvir o Osvaldinho contar mais uma história, cada noite era uma nova, ele jamais repetia as histórias, ele tinha bastante livrinhos de cordel, sua paixão era essa contar histórias de cordel, ele derramava suor a semana inteira na labuta da roça de mandioca e na casa de farinha, para que depois das vendas do sábado ele passar lá na banca de dona Maristela e comprar esses livrinhos de cordel, nós muito menino ficavamos em casa à esperar, penduravamos lá na porteira e ficavamos com os olhos pidões em direção a Estrada de terra a fim de ouvir o estralar das rodas da carroça de seu josé estraçalhando os galhos secos do chão. E quando isso acontecia aguçavamos nossos ouvidos e diziamos:_Escutem…lá vem eles! E corriamos de encontro à carroça antes mesmo dela alcançar a curva que dava pro portão de entrada da casa de seu José. E todas as vezes que faziamos isso seu José perguntava:_Oxente mininos me digam como é que vocês sabem que estavamos chegando me digam? E respondiamos todos em unissono:_oxi seu José a gente sabe sim sinhô quando o sinhô tá chegando viu, a gente sabe sim! Seu josé coçava a cabeça encabulado e nós corriamos pro pé de Osvaldinho perguntando tú trouxe o cordel? Tú trouxe o cordel osvaldinho? Ele dizia sempre:_Calma meninos! Calma! Eu trouxe sim e também balas e doces pra todos vocês! E gritavamos _eeeeebaaaa! Hoje tem cordel!

 Osvaldinho era o filho do seu José o dono da casa de farinha onde mamãe trabalhava quando fomos morar lá em Pernambuco nos brejos de uns matagais que nem lembro ao certo o nome da cidade ou do lugar, tudo o que recordo vagamente é de alguns acontecimentos do cotidiano daquele lugar mágico, onde viviamos em felicidade total e comiamos o fruto que a natureza nos dava, ou seja, plantavamos, colhiamos e comiamos. A energia elétrica não existia e o que nos alumiava à noite eram as chamas dos pavios dos candeeiros que ficavam suspensos pelos pregos nas paredes de barro. Mas eramos verdadeiramente felizes nas entranhas da terra lá no sertão dos arredores De Aliança cidadezinha onde nasci do estado de Pernambuco, e essa casa de farinha se situava emu ns brejos lá da cidade de Vicência acredito que seja sim.

 Hoje aqui em São Paulo não mais retornei à meu estado de nascence…não sei nada dos amigos que lá deixei…não sei mais do Osvaldinho, se ele se tornou um professor ou um contador de histórias professional, tipo escritor ou coisa do gênero…não sei de dna Gertrudes, de seu tonico, de dona benê, de seu zé da verdure…já dona béia essa sei que faleceu em dois mil e sete, sei disso porque fora ela quem me trouxe para a cidade grande, e seu nome de registro era Maria Rodrigues da Silva minha mãe…já não sei de seu José o homem bondoso proprietário daquela saudosa casa de farinha.




    Por:Natanael Rozeno da Silva                                                                                    07/03/2013

Guanabara-Mogi das Cruzes-SP

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